Olá, leitores. Tudo bem com vocês? Hoje o Escrivaninha inaugura uma nova coluna no blog, que será publicada a cada quinze dias e se chama: De frente com o autor(a). O intuito é trazer entrevistas com nossos escritores nacionais resenhados. E a escolhida para a primeira publicação foi a escritora, poetisa, produtora cultural, roteirista e atriz, Claudia Gomes. que recentemente lançou seu livro Hecatombe Hipotética, uma coletânea de poesias escritas e ambientadas ao longo de suas vivências pessoais. O livro tem resenha no blog e se ainda não leu é só
clicar aqui.
Claudia é daquelas autoras que quanto mais você pergunta, ouve, ou lê, mais conteúdo encontra. "Uma mulher branquela, riscada de gato, estatura mediana" de trinta anos e pouco notada.Como ela mesma se descreve, mas uma imensidão de criatividade e escrita. Uma artista completa em construção "Escrever obriga novas visões: olhar o mundo de formas e ângulos diferentes. Por causa disso, evoluí e criei muitas pernas, que é pra colocar uma no cinema, outra na fotografia, outra nas artes cênicas, uma em cada canto da coisa artística toda."
A poetisa já publicou em várias coletâneas e revistas, além de participar de projetos voltados para a poesia tais como: “Paixão de Ler POESIA” pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro (como produtora cultural e contadora de histórias), “O SESC também se apaixona pela POESIA” (com o “Sarau Animado” - esquete com poesias infantis - e a oficina “Poesia Visual” para crianças e professoras formandas. Ela ainda participou do ABZ do Ziraldo da TV Brasil, além de ter feito parte de movimentos como o “OPA! Ocupações Poéticas” em instituições para menores em conflito com a Lei e orfanatos do Espírito Santo. Claudia é Sócia da Dois Sofás Produções.
Claudia, qual a sua lembrança mais remota do primeiro contato com a poesia? E em que momento nasce a poetisa?
Desde o momento em que aprendi a ler e descobri que nos livros existiam histórias incríveis. O despertar pra poesia demorou um pouco mais. De início me apresentavam alguns poetas que na época não compreendia, então considerava maçante. As rimas eram até divertidas, mas quando eu tentava fazê-las, não tinha paciência, não eram o que eu queria fazer.
Comecei escrevendo histórias que não acabavam. Eu estava na metade e, ansiosa, já queria fazer outras. Muita coisa pra falar. A poesia tem essa capacidade de resumir, de dizer muito em pouco, de dizer sem dizer, de transformar. Um dia "Aos poucos fico louco" do Ulisses Tavares chegou na biblioteca da escola. Depois de muitas risadas descobri que queria ter aquele humor, queria falar sobre o mundo daquele jeito. Mas muita gente me influenciou naquela época como Sérgio Caparelli, Renato Pacheco, Cecilia Meireles, Manoel de Barros... continuam até hoje.
Quem é seu eu individuo, e a poeta? E em que momento (os) eles se unem para formar a Claudia?
Não existe uma separação. Eu sou Claudia, a poetisa. Eu escrevo o que eu penso, sinto, vivo, minha visão das coisas. Sou eu quem escrevo. No momento que eu escrevo, eu me coloco no papel. Por isso, é claro que, se eu for escrever sobre uma coisa hoje e sobre essa mesma coisa daqui a dez anos, sairão coisas completamente diferentes e talvez até opostas, visto que a gente muda com o passar do tempo. Poesia é uma coisa extremamente pessoal, íntima, porquê, se você não se coloca na poesia, ela não tem profundidade suficiente para atingir o outro.
Quem são suas principais fontes de inspiração no campo da poesia? E, por quê?
Como disse, tenho influências que me seguem. Gosto de ler de tudo, digo, tenho fases que amo algumas leituras e odeio outras, mas num geral sou eclética rs. Mas acredito que minha inspiração vem do meu cotidiano e das minhas vivências.
Se fosse pra citar alguém, seriam meus amigos poetas marginais, contemporâneos, periféricos. Tem, por resumido exemplo, a Caró Lago, a Leticia Brito, o Marcos Bassini, o Eduardo Tornaghi, Thamar de Araujo, toda essa gente incrivel que me inspira e estão todos bem acessíveis na internet, na noite carioca se descobrindo e redescobrindo cada dia mais - como eu.
Sabemos que na antiguidade os homens dominavam, quase que unanimemente, o campo da criação literária. Hoje esse cenário é completamente diferente. Como você avalia a importância do papel da mulher, na criação, mas também como produto literário?
Foi muita luta feminista para chegarmos até aqui e a luta ainda está sendo grande. Porque está tudo interligado. Tenho amigas e conhecidas que sofrem preconceito com o que escrevem, retaliações familiares, assédio moral e sexual, como se o fato de eu escrever sobre sexo, significasse estar aberta a sexo com qualquer pessoa.
Para escrever Hecatombe Hipotética, você levou quanto tempo? Criou uma rotina de escrita ou as poesias surgiam espontaneamente?
Esse livro demorou um bocado, rs. Eu o escrevi em 2006 com um objetivo: homenagear colegas da área artística no ES. Então ele era dividido em dois capítulos: um sobre mim e outro de poesias dedicadas a artistas locais. Porém, a minha vida vive dando viradas. É um roteiro muito bom hahahah. Eu vim pro Rio e aqui eu não conhecia nenhuma gráfica ou profissional do livro. O que fez com que eu aceitasse uma indicação e entrasse numa furada: me roubaram o dinheiro captado para o livro. Tive que tirar do meu próprio bolso para refazer. Essa saga, bem resumida aqui, me fez pensar que eu gostaria de que esse livro fosse um rito de passagem. Esse livro encerraria uma etapa, abriria espaço para outra. Quando o fui refazer, percebi que o conteúdo do livro já não me representava. E aqueles artistas eu já não tinha sequer mais contato. Aquela que eu queria deixar para trás, aquele divisor de águas que eu pensava que o livro fosse, já não era mais. Resolvi refazê-lo. Alguns textos permanecem, como o que dá nome ao livro, mas refiz o conceito. O livro agora seria uma representação de mim. A capa e o interior.
Por que o nome de Hecatombe Hipotética?
Tem um texto interno com esse nome que me representa muito bem. Me desapeguei de livros a pouco tempo, ainda dói. Eu me mudei, dia desses, para uma casa menor. Doei muitos livros para amigos, montei uma biblioteca numa comunidade. Foram doados em torno de 20 caixas. Muitos eu ainda não havia lido. É doloroso não ter tempo para ler. Quando eu era pequena eu começava a ler pela manhã e ia até a noite. Hoje tem trabalho, prazos, responsabilidades que diminui muito o ritmo da leitura. Uma pena. E eu adquiri essa mania de guardar livros que eu desejo ler assim que tiver tempo. Mas a verdade é que eu acabo lendo os livros que preciso, não os que gostaria. O que preciso pra pesquisa do roteiro, do projeto. Os que eu desejo ler, acabam de enfeite, aguardando uma hecatombe. :(
Seu livro trata de muitos temas de maneira inteligente e com um toque pessoal bem presente. Alguma das poesias de Hecatombe Hipotética é dedicada para alguém em especial?
Minhas poesias são pessoais. Toda poesia é pessoal. É sua visão a respeito de algo, é seu sentimento a respeito de algo. E eu gosto muito de falar sobre o que eu sinto, minhas impressões com o mundo. Tento partir do particular pro universal. Então, não. Posso ter escrito a partir de um acontecimento relacionado a alguém, mas a verdade é que, no fundo, eu só dedico aos leitores. ;)
Deixaria de escrever ou publicar algo por medo das críticas? E como você lida com elas?
Se você se publica, sobre no palco, vai pra frente de uma câmera: você está dando a cara a tapa. É bom se acostumar com isso, é natural que venham criticas de todas as formas. Minhas favoritas são, claro as criticas construtivas que são sempre bem vindas. Por mais que não venha de encontro com os meus pensamentos ou as vezes me sinta mal interpretada, a verdade é que faz pensar. E pensar é sempre bom.
Por que publicar de maneira independente e não por uma editora?
Os dois tem vantagens e desvantagens. A editora demora a aprovar. O cara está investindo o dinheiro dele, o produto tem que ser estudado, pensado, avaliado. E a poesia raramente entra nisso aí. Poesia é algo para se pensar. A gente vive num país que pouca gente lê poesia, pelo simples motivo de que não sabe entender poesia. Minha teoria é que a gente não sabe vender poesia. Afinal livros como "Eu me chamo Antônio" e "Pó de Lua" são de frases poéticas e vendem feito água. É preciso marketing, é preciso vencer esse preconceito sobre a poesia, é preciso repensar a poesia - e a forma como vemos o leitor.
Outro problema, além da dificuldade de publicar poesia é que você ganha em torno de dez porcento do valor de venda. As tiragens estão cada vez menores. Tem vez que os autores não recebem nada pelo seu trabalho. Conheço amigos publicados por editoras que não tem suas próprias publicações.
Já a publicação independente eu tenho o controle da edição (eu sou minha editora, então o livro vai sair do jeito que eu quero) e eu tenho o controle do estoque. Mas aí eu esbarro num problema: distribuição. Eu não tenho como distribuir esse material, ter mil livros na sala é MUITO chato. O negócio é se reinventar a cada publicação, mil lançamentos, fazer amigos livreiros, deixar em lugares diferentes, vender via internet. Entra aí nossa brasileirice. E se quiser, posso distribuir gratuitamente numa ONG, num projeto social, pros amigos. O livro é meu.
Dia desses tomo coragem e publico por uma editora pra ver que bicho que dá. (Toca caçar editora. Rs)
Como vê e avalia o mercado editorial brasileiro?
Tem pra onde crescer. O que a gente precisa é ter a consciência de que é preciso formar leitores. A gente que eu falo é a gente que trabalha com educação, profissionais do livro, blogs e sites de literatura, todos nós que estamos envolvidos direta ou indiretamente com isso.
Fazer pequenas ações no dia-a-dia para incentivar a leitura é um caminho. Eu, por exemplo, tenho mania de sair com envelopes com poemas dentro. saio distribuindo. Não é sempre: a vida é corrida. Mas se vou num lugar que cabe, eu levo, distribuo. As pessoas ficam curiosas com o envelope, abrem para ler. Se aquele texto falam a linguagem dela, ela vai gostar, ela vai procurar outros para ler.
Em sua opinião, por que o brasileiro lê tão pouco ? Comparado a outros países da América Latina.
Estou em um momento que, apesar de ser necessário falar sobre o Brasil, não tenho conseguido. Tem esse nó na garganta aqui que não deixa. Mas falta educação de qualidade. Falta falar a linguagem do Brasil. Falta passar mais mensagem do quê falar bonito.
A gente tem que ter consciência de que as coisas tem que ser pouco a pouco. Para fazer alguém gostar de ler, você precisa apresentar algo que comunique com ela, que fale a linguagem dela, que promova uma identificação. Gostar é o primeiro caminho. Aos poucos, você vai percebendo o que mais gosta de ler, partindo para linguagens diferentes, experimentando leituras.
O nosso problema maior é com educação. Recomendo o filme "A educação está proibida", você pode encontrá-lo na Netflix.
Atualmente está trabalhando em algum projeto literário?
Bem, escrevendo eu sempre estou. Poesia é um exercício diário, mas tenho trabalhado em um romance. Fantasia urbana. Vamos ver como me saio. ;P
Qual é o maior sonho da Claudia poeta?
Que todos lessem poesia. Deve ter algum autor que seja a sua cara, sempre tem. Tem até pesquisa que diz que poesia faz bem ao cérebro, é terapêutico, sendo melhor que livro de auto-ajuda!
Que recado ou dica a Claudia individuo deixaria? E a poetisa?
Bem, somos a mesma. :) Então lá vai:
Descubra o que você gosta de ler. Leia, pense, crie suas próprias histórias, rabisque, escreva. Descubra o seu jeito de escrever, mostre aos amigos, faça um blog. Incentive a leitura, faça as pessoas ao seu redor descobrirem o que elas gostam de ler. Esse mundo precisa de pessoas que leem e que pensam. Faça a sua parte.
E qualquer coisa me grita aqui:
claudiacanteri@gmail.com
Beijos!